Já te aconteceu de estar divagando em um instrumento ou em um DAW, encontrar um acorde diferente ou pouco usual e se perguntar: que diabo é isso? Como eu descrevo, dou nome, comunico ou anoto isso? De onde isso vêm? Que outros acordes soam parecidos?
A maior parte dos acordes que encontramos no dia-a-dia são truncamentos de alguma escala do sistema diatônico ordenada em terças – o que gera uma grande variedade de acordes facilmente nomeáveis: as tríades maiores, menores, aumentadas, diminutas e suspensas; com as sétimas maiores, menores e diminutas; com as extensões de nona, décima primeira e décima terceira e as eventuais alterações de quaisquer dos seus componentes. Mas não é esse tipo de acorde que me interessa neste texto – exceto como caso particular de um enquadramento maior. As tríades (maiores, menores, aumentadas, diminutas e suspensas) são somente 5 casos entre 19 possíveis estruturas de 3 classes de nota. Todos os acordes completos da escala diatônica (com tônica, terça, quinta, sétima, nona, décima primeira e décima terceira), são somente rotações de um caso entre 66 estruturas de 7 classes de nota.
Uma parte considerável das estruturas de sete notas pode ser descrita como uma alteração da escala diatônica, resultando em nomes bizarros como, por exemplo: Cmaj7b5(b9,11,#13). Mas nomeá-las deste modo ainda é assumir que estas estruturas seriam construídas primariamente como sobreposição de terças. Como descrever, usando essa lógica, uma estrutura composta por C, C# e D? Quem sabe: C#maj7(b9) com terça e quinta omitidas? Ou então C(b9,9) com terça e quinta omitidas? Ou Dmaj7(#6) com terça e quinta omitidas? Todos jeitos desconfortavelmente complicados de nomear uma estrutura que, descrita, ocupa menos espaço e que é construída por uma lógica diversa da sobreposição de terças que fundamenta a linguagem tonal.
É pra isso que servem outras tipologias de simultaneidades – e de estruturas musicais em geral. Neste texto quero explorar algumas formas de gerar, dar nome e entender as estruturas de classes de nota fora da lógica tonal de tríades, tétrades, extensões e alterações.
Neste texto, quero apresentar métodos que tornam mais simples e intuitivo entender essas estruturas, ajudando a expandir sua abordagem musical. Não pretendo, entretanto, que ele dê conta de todas as formas de nomear todas as estruturas de classes de notas, mas que introduza algumas ideias: a tipologia de acordes a partir da sua produção, como descrita por Vincent Persichetti e Stefan Kotska; a tipologia da teoria de conjuntos descrita por Howard Hanson e Allen Forte, mas mais pedagogicamente explicada por Joseph Straus e Miguel Roig-Francolí; e, por fim, um esquema de cifragem baseado em algumas interpretações dos conjuntos da teoria pós-tonal com um viés mais tonal – ou pelo menos diatônico na sua descrição – descrita por Júlio Herrlein.
Além disso, ainda que estas tipologias possam descrever e analisar acordes de qualquer tamanho – e, na prática, em qualquer sistema de notas – vou me limitar nas ilustrações às estruturas de três e quatro notas (com algumas exceções) dentro do sistema temperado de doze tons. Assim, espero evitar escrever um texto exaustivamente longo, mas, quem sabe, abrir as portas para uma exploração mais detalhada.
De qualquer modo, espero que este texto sirva para lhe dar informações para analisar suas próprias ideias ou para encontrar novas estruturas de classes de notas. Convido o leitor a tomar seu tempo explorando os tricordes e ideias apresentadas, testando compor e improvisar com elas.
Para facilitar essa experimentação, este post vêm com dois materiais complementares: um dicionário de formas-acorde para violão/guitarra contendo as três rotações de cada um dos 19 tricordes da escala cromática em posição aberta e fechada em diferentes cordas; e, para quem prefere um DAW a um violão, um midi pack contendo todas as transposições dos 19 tricordes, nas três rotações, em posição fechada e aberta.
Uma introdução sobre notação com inteiros
Antes de começar a discutir as tipologias propriamente ditas, preciso introduzir uma forma de descrever o conteúdo das estruturas de classes de notas: a notação com inteiros. Ainda que esta notação possa ser incômoda no começo, ela tem algumas vantagens: 1) abandonar o viés diatônico da notação com letras (C, D, E, F…); evitar os problemas de nomenclatura que surgem da enarmonia (G# = Ab; E# = F e etc); e gerar uma notação mais limpa e mais fácil de entender (descrever o conteúdo de Caug como 048 em vez de C E G#). Nos exemplos notados, utilizarei o pentagrama tradicional, mas para a escrita e análise, a notação com inteiros gera um texto muito mais agradável e uma lógica mais simples.
A notação com inteiro nada mais é do que substituir as letras (C, C#, D…) ou o solfejo (Dó, Dó sustenido, Ré…) por números inteiros (0, 1, 2…), identificando 0 com C. Geralmente A# (ou Bb) e B, que seriam 11 e 12, podem ser substituídos por uma letra, A e B ou T e E para manter todas as notas com um dígito. Rapidamente, a gente se acostuma a pensar as classes de nota com inteiros, mas vou deixar abaixo uma tabela de referência para facilitar a leitura.
0 | Dó | C |
1 | Dó sustenido, Ré bemol | C#, Db |
2 | Ré | D |
3 | Ré sustenido, Mi bemol | D#, Eb |
4 | Mi | E |
5 | Fá | F |
6 | Fá sustenido, Sol bemol | F#, Gb |
7 | Sol | G |
8 | Sol sustenido, Lá bemol | G#, Ab |
9 | Lá | A |
A (10) | Lá sustenido, Si bemol | A#, Bb |
B (11) | Si | B |
Usando notação de inteiros, também podemos nos livrar de outra forma de notação infestada de diatonismo: a nomenclatura de intervalos baseada na escala diatônica (segundas, terças, quartas, etc…). Na notação com inteiros, descrevemos os intervalos também como números, que descrevem a quantidade de semitons no intervalo. O intervalo entre 0 (C) e 4 (E), por exemplo, é 4 (4-0=0) assim como o intervalo entre 3 (Eb) e 7 (G) é (7-3=4). Para evitar confusão adicionamos “i” ao número para caracterizá-lo como um intervalo, então o intervalo entre 3 e 7 é i4.
Geralmente nos referimos ao intervalo pela menor distância possível entre as duas classes de nota, por exemplo, entre 0 (C) e 7 (G) temos um intervalo de uma quinta justa (7 semitons) ou de uma quarta justa (5 semitons) e nos referimos ao intervalo como ic5 (classe intervalar 5, que contém dois intervalos: 5 e 7 semitons). A fórmula para isso pode parecer complexa, mas pode ser simplificada: mínimo (x-y módulo(12) ou y-x módulo(12)). Ou seja o menor valor possível da diferença entre as classes de nota, módulo 12. Um jeito simples é encontrar o intervalo positivo entre as notas, no nosso caso 7-0=7 e subtraí-lo de 12 (12-7=5). Como 5 é menor que 7, a classe intervalar é ci5.
Outro jeito simples é imaginar e um relógio como na imagem abaixo e buscar o caminho mais curto entre as duas classes de nota. Em sentido horário, de 0 a 7 são 7 semitons (ou horas…) de 7 a 0 são 5 semitons, então a classe de intervalo é ci5.
Acredito que rapidamente é possível se acostumar com essa notação também, mas deixarei abaixo uma tabela para consulta e para facilitar a explicação.
Semitons | Intervalo | Classe Intervalar | Nome diatônico |
1 | i1 | ci1 | Segunda menor |
2 | i2 | ci2 | Segunda maior |
3 | i3 | ci3 | Terça menor |
4 | i4 | ci4 | Terça maior |
5 | i5 | ci5 | Quarta justa |
6 | i6 | ci6 | Quarta aumentada/Quinta diminuta |
7 | i7 | ci5 | Quinta justa |
8 | i8 | ci4 | Sexta menor |
9 | i9 | ci3 | Sexta maior |
10 | i10 | ci2 | Sétima menor |
11 | i11 | ci1 | Sétima maior |
Resumi bastante e deixei de lado noções importantes para a teoria pós-tonal, mas isso será o suficiente para a nossa discussão. Caso você queira saber mais sobre notação com inteiros, o primeiro capítulo de Introdução à teoria pós-tonal de Joseph N. Straus é bastante detalhado e muito mais completo do que este texto.
Geração de acordes por intervalos
Tanto Vincent Persichetti (em Twentieth Century Harmony: Creative Aspects and Practice) e Stefan Kotska (em Materials and Techniques of 20th Century Music) organizam sua descrição dos acordes a partir de um processo de construção baseado nos intervalos genéricos da escala diatônica: segundas, terças e quartas (sendo que quintas, sextas e sétimas são inversões delas – ou, nos nossos termos, são da mesma classe intervalar). A ideia é gerar acordes a partir da repetição iterativa de um tipo de intervalo genérico a partir de uma tônica. Por exemplo:
- O acorde de dó maior (047) é construído partindo de dó (0) e adicionando terças, uma maior (ci4) e uma menor (ci3).
- O acorde Csus (057) é uma inversão (reordenação) de um acorde construído por quartas justas, partindo de 7: 705.
- A forma usual de tocar um acorde dominante com nona no violão (024A) – ou seja, com a quinta omitida – é uma inversão de um acorde construído por segundas maiores partindo de Bb: A024.

Por intervalo genérico diatônico quero dizer as segundas (menor [ci1] e maior [ci2]), terças (menores [ci3] e maiores [ci4]) e quartas (justas [ci5] e aumentadas [ci6]) possíveis dentro da escala diatônica. A linguagem pode soar diatônica demais para um contexto pós-tonal, mas vejo duas vantagens em pensar assim: em primeiro lugar, conecta uma linguagem pós-tonal com a linguagem já bem estabelecida dos intervalos diatônicos; em segundo lugar, permite que cada categoria de acorde seja produzida por um intervalo genérico que possui duas formas, evitando que os acordes virem simplesmente ciclos intervalares, como os que discuti em outro texto. Essa lógica permite explorar tanto acordes familiares – como tríades e tétrades – como estruturações mais exóticas.
Há ainda categorias de simultaneidades que não são produzidas pela repetição de um intervalo genérico: acordes mistos, policordes e acordes espelhados. Acordes mistos, como 014, são produzidos por intervalos genéricos diferentes (segunda e terça neste caso, ci1 e ci3). Policordes são criados pela combinação de duas outras simultaneidades, geralmente tríades. Acordes espelhados são uma categoria especial de policorde, gerada pela combinação de duas estruturas simétricas em relação a um eixo de simetria.
Nos próximos parágrafos, vou descrever os acordes gerados por este processo – vários, certamente, familiares ao leitor – a começar pelos acordes baseados em terças. Ainda que, pra fim de exercício, seja interessante praticar compor ou tocar com utilizando um único tipo de acordes por vez, é importante dizer que isso não é uma regra para uma composição real. Como diz David Cope:
A música baseada em intervalos diferentes de terças não precisa evitar a harmonia tercial (acordes construídos em terças), mas pode, em vez disso, ampliar as convenções triádicas de harmonia e melodia. […] A maioria das obras bem-sucedidas não consiste inteiramente de um único intervalo. […] Intervalos centrais devem predominar, mas sem desequilibrar os demais intervalos. (COPE,, p.47)
Terciais
Ainda que os acordes baseados em terças não se encaixem no nosso problema – i.e. da nomeação de estruturas de classes de notas fora da tradição tonal – eles são um bom ponto de partida. Isso porque eles são, em primeiro lugar, pela sua familiaridade, uma boa ilustração do processo e da linguagem que utilizaremos. Em segundo lugar, eles são também materiais usados na música pós-tonal, ainda que de formas diferentes daquelas da prática comum. Como diz Kotska:
Grande parte da música do século XX também é essencialmente terciária [construída sobre terças], mas, além disso, há uma quantidade significativa de música que utiliza acordes construídos a partir de 2as, de 4as e de combinações de vários intervalos. (2018)
Os acordes terciais são aqueles construídos pela repetição sucessiva de terças (ci3 e ci4) a partir de uma nota inicial e podem ter qualquer tamanho de três a doze notas. Por conveniência, vou priorizar, como disse anteriormente, os conjuntos de três notas – que chamarei de tricordes – com um pouquinho sobre acordes de 4, 7 e 12 notas – respectivamente, tetracordes heptacordes e dodecacordes.
Há quatro estruturas geradas pela sobreposição de terças, idênticas às tríades tradicionais: os acordes diminutos, menores, maiores e aumentados. O tricorde diminuto (036) é gerado pela sobreposição de ci3. O tricorde menor (037) é gerado por ci3 e ci4 e o tricorde maior (047) é gerado por ci4 e ci3. O acorde aumentado (048) é gerado pela sobreposição de ci4. Observe que os tricordes maiores e menores possuem a mesma estrutura intervalar (ci3 e ci4), mas invertida. Isso é, o tricorde menor (037) pode ser pensado como ci3 e ci4 ascendendo a partir de uma nota dada enquanto o tricorde maior (047) pode ser pensado como ci3 e ci4 ascendendo a partir de uma nota dada. Os tricordes diminuto (036) e aumentado (048) não são inversíveis, pois possuem a mesma estrutura “subindo” ou “descendo” – são, em outas palavras, simétricos.

É evidentemente possível continuar adicionando terças a esses acordes – que resultariam, geralmente, em tetracordes de sétima. Aos tricordes menores e maiores, é possível adicionar tanto uma terça menor, quanto maior, resultando em um tetracorde, respectivamente, de sétima menor (A) ou maior (B). Ao tricorde diminuto, também é possível adicionar uma terça menor ou maior, resultando respectivamente em uma tétrade de sétima diminuta (0369) ou menor com quinta diminuta (036A). Ao tricorde aumentado, só é possível adicionar uma ic3, resultando em CaugMaj7 (048B), pois ic4 resultaria fecharia o ciclo intervalar (0480…).

A escala diatônica pode ser pensada como um heptacordes formado por uma sucessão de terças – e as descrições de acordescalas geralmente são interpretações terciais do conjunto diatônico: 037A258 seria o eólio (sexto modo da escala maior) organizado em terças: ci3, ci4, ci3, ci4, ci3, ci3. Uma ideia interessante é combinar transposições dos três tricordes terciais para formar a escala cromática: C (047) Ebm (36A) G#dim (8B2) e Aaug (915).

É possível também gerar a escala cromática pela combinação de quatro transposições de um mesmo tipo de tricorde tercial. John O’Gallagher, em Twelve-Tone Improvisation (A Method for Using Tone Rows in Jazz), descreveu detalhadamente todas as combinações de um tricordes (exceto 036) para formar séries dodecafônicas (que resultam em uma escala cromática) e não repetirei as resultantes dele aqui. Também é possível continuar adicionando terças até atingir toda a escala cromática. Bruce Arnold, em My Music: Explorations in the Application of 12 Tone Techniques to Jazz Composition and Improvisation, descreve um dodecacorde que ele chama acorde de 23ª gerado pela repetição de terças.

Os acordes baseados em terças, como disse, podem ser usados para fazer música pós-tonal – e foram usados por Berg, Messiaen, Stravinsky, etc etc etc… – mas, como disse anteriormente, são acordes mais familiares. Quando passamos aos acordes baseados em segundas e em quartas, começamos a explorar sonoridades mais distantes da prática comum, ainda que, à excessão de 012, todos os tricordes secundais e quartais podem ser encontrados dentro da escala diatônica e usados como estruturas superiores em acordes tonais.
Secundais
Os acordes secundais são bastante versáteis em sua sonoridade, ainda que difíceis de conduzir parcimoniosamente, pela sua estrutura de classes de nota condensada: eles podem soar abrasivos e dissonantes – quase como um erro – podem soar abertos e etéreos, quando em posição aberta, e podem soar meio ocos e distantes quando organizados em sétimas. A versão mais comum dos acordes secundais são os clusters, que são formados ao tocar várias notas adjacentes, por exemplo, percutindo as teclas do piano com a mão espalmada ou com o antebraço e tocando todas as notas na região coberta por estas partes do corpo – algo que, creio, a maior parte das pessoas que interagiu com o piano já fez ao menos uma vez por diversão. Tides of Manaunaun, de Henry Cowell, utiliza esta técnica com um efeito impressionante.
The Tides of Manaunaun, de Henry Cowell
Há quatro estruturas geradas pela sobreposição de segundas. A sobreposição de duas segundas menores (ci1) gera o tricorde cromático (012). A sobreposição de duas segundas maiores (ci2) gera o tricorde de tons inteiros (024). Tanto 012 quanto 024 são simétricos e, portanto, não inversíveis. Há duas estruturas geradas pela sobreposição de ci1 e ci2: o tricorde 013 (ci1 + ci2) e o tricorde 023 (ci2 + ci1) que são inversão um do outro.

Qualquer tricorde pode ser rotacionado, para que qualquer de suas classes de nota fiquem no baixo. Chamo de rotação, neste texto, o que na harmonia tonal, se chama de inversão, isso é: uma estrutura que contém as mesma classes de notas mas ordenadas diferentemente na realização. Abaixo, as três rotações de 024 são apresentadas em acorde e em seguida arpejadas.

Os tricordes, também podem ser tocados em posição aberta, isto é, ordenados de um modo que entre a nota mais aguda e a mais grave haja mais de uma oitava. Geralmente isso é feito, num conjunto de três notas, transpondo a intermediária em uma rotação uma oitava acima. Observe que, no caso dos acordes de segunda, a posição aberta da terceira rotação gera um acorde construído em sétimas.

As posições abertas, em especial da primeira e da segunda rotação, geram sonoridades bem mais amenas do que as posições fechadas tricordes acordes secundais. De fato, podemos adicionar mais uma nota um semitom acima ou abaixo do tricorde 024 (5 ou B), obtemos voicings tradicionais de violão para, respectivamente, Dm7(9) e Cmaj7(9). Se adicionarmos uma nota um tom acima ou abaixo, podemos obter voicings tradicionais para C7(9) e D7(9).

Neste ordenamento, entretanto, os tetracordes começam a perder um pouco da sonoridade secundal, em função das terças e quintas que compõe a estrutura concreta deles. Do mesmo modo, um tetracorde maior com sétima maior (047B) começa a perder a sonoridade tercial se ordenarmos ele como uma sucessão de quintas e segundas (4B07).

Tanto o tricorde cromático (012) quanto o tricorde de tons inteiros (024) podem ser combinados com transposições suas para formar a escala cromática sem repetir nenhuma nota.


Os tricordes 013 e 023 não conseguem sozinhos gerar a mesma estrutura, mas combinando duas transposições de cada, é possível fazê-lo.

Ainda é possível combinar uma transposição de cada tipo de tricorde secundal (012, 013, 023 e 024) para gerar a escala cromática.

Por fim, acordes terciais de seis e sete notas podem ser reordenados como acordes secundárias. No exemplo abaixo, um cluster de sete notas é formado como reordenação de C7(9,11,13) e um cluster de seis notas é formado como reordenamento de Cmaj7(9,#11)

Quartais
Os acordes quartais são ambíguos, melhores de conduzir, mas ainda assim costumam ser usados paralelamente. Pra mim, eles tem uma sonoridade plástica, vagamente modernista e estática, mesmo quando contém um trítono. Tanto Persichetti quanto Schoenberg, apontam que os acordes quartais surgem como decorações de acordes triádicos. A versão mais comum são os acordes suspensos, regularmente usados na música popular diatônica, às vezes chamados Csus, Csus4 ou, em outra inversão Csus2. Outra versão comum, ainda que ordenada com uma terça maior entre as duas vozes superiores, é o acorde “So What”. Alberto Ginastera organiza sua sonata para violão majoritariamente em volta de um acorde quartal formado pelas cordas soltas do violão – que também contém uma terça maior, mas é principalmente quartal. Tanto o acorde So What, quanto as cordas soltas do violão podem ser pensados também como um ordenamento da escala pentatônica.

Miles Davis – So What (Official Audio)
Alberto Ginastera – Sonata for guitar, Op. 47 (Score video)
Há três tricordes gerados pela sobreposição de quartas (ci5 e ci6). A sobreposição de duas quartas justas (ci5) gera 05A, que pode ser reordenado como os acordes suspensos Bbsus2 (A05) e Fsus4 (5A0). As duas sobreposições de uma quarta justa (ci5) com uma quarta aumentada (ci6) geram: 05B (ci5 + ci6) e 06B (ci6+ci5) – as duas inversões do tricorde vienense. Não é possível gerar um tricorde por sobreposição de quartas aumentadas (ci6), porque isso geraria simplesmente um ciclo de seis semitons contendo duas notas (0 6 0…).

Assim como os outros tricordes, eles podem ser tocados em três rotações, em posição aberta ou fechada. No caso do tricorde de quartas justas, a primeira rotação é o tricorde quartal “puro”, a segunda é o tricorde sus4 e a terceira é o tricorde sus2. A terceira posição da rotação aberta forma um acorde quintal – quintas justas (ci7), no caso 057 (ordenado como 507), ou diminutas (ci6) e justas (ci7) no caso de 05B (ordenado como B50) e 06B (ordenado como B60). As demais rotações dos tricordes quartais abertos geram acordes que misturam quintas e sétimas.


O tricorde 05A pode ser combinado com suas transposições sobre um ciclo de três semitons para formar a escala cromática. Também é possível continuar sobrepondo quartas até formar o ciclo de quartas completo. Os tricordes vienenses só conseguem formar a escala cromática sem repetições se intercalarmos as suas inversões.


É possível gerar um dodecacorde sobrepondo quartas justas até completar a escala cromática, sem repetir nenhuma nota. Também é possível gerar um dodecacorde partindo de uma nota e intercalando uma quarta aumentada (ci6) e uma quarta justa (ci5) até completar a escala cromática. Não é possível completar a escala cromática se começarmos com uma quarta justa.

É possível construir tricordes quartais sobre todos os graus da escala diatônica. No modo maior, os graus II, III, V, VI e VII são geram transposições do tricorde 05A. O grau I gera o tricorde 05B e o grau IV gera o tricorde 06B transposto i5 ascendente.

Por fim, todos os acordes completos da coleção diatônica podem ser construídos como heptacordes quartais. Começando em B é possível construir toda a escala diatônica com quartas justas. Em todos os graus, há uma quarta aumentada dentro do heptacorde. No exemplo abaixo, começando em 0, há uma quarta aumentada entre 5 (F) e 11 (B).

Acordes Mistos
Eu havia mencionado que há 19 tricordes no sistema de doze notas. Até o momento, geramos 11 e já esgotamos os intervalos genéricos para construir tricordes por sobreposição deles. A última categoria de tricordes que discutiremos são aqueles gerados por intervalos mistos. Em certo sentido, 6 dos 11 tricordes que discutimos até agora são mistos: são gerados por classes intervalares diferentes, mesmo que agrupemos elas em intervalos genéricos idênticos. Se considerarmos a classe de intervalo, somente 012, 024, 036, 048 e 05A são tricordes gerados pela sobreposição de um intervalo; enquanto 013, 023, 037, 047, 05B e 06B são gerados por duas classes de intervalo. A diferença deles para os tricordes que vamos chamar de tricordes mistos neste texto é que não podemos usar tão facilmente a linguagem diatônica dos intervalos genéricos para descrevê-los do mesmo modo que as tríades. Para fins didáticos, vou adaptar a classificação das famílias de tricordes de Dariusz Terefenko e dividir os tricordes mistos em tricordes de semitom, de tons inteiros e pentatônicos.
Tricordes de Semitom
Os tricordes de semitom são aqueles gerados pela combinação de ci1 e outro intervalo (ci3 ou ci4). Tecnicamente poderíamos construir 05B e 06B como tricordes de semitom combinando ci1 e ci5 – gerando respectivamente B05 e 6B0 – ou combinando ci1 e ci6 – gerando B06 e 5B0, que são os mesmos acordes rotacionados. Entretanto já os geramos como sobreposição de quartas genéricas (ci5 e ci6) e as de semitom são simplesmente rotações delas.

Há quatro tricordes de semitom: 014 e 034 (gerados duas combinações de ci1 e ci3) e 015 e 045 (gerados pelas duas combinações de ci1 e ci4). Em posição fechada, na primeira rotação, esses acorde tem um som bastante abrasivo, em função da segunda menor gerada entre as vozes. Entretanto, se rotacionarmos eles, ou tocarmos em posição aberta, eles soam mais consoantes e, em alguns casos, podem soar como shell voicings de tétrades ou como acordes com nona com notas omitidas.



É possível combinar os tricordes de semitom com suas transposições para gerar uma escala cromática. No caso de 014, combinado com 034, há, pelo menos, duas opções:

Também é possível continuar sobrepondo, alternadamente, c1 e c3, o que resulta em um hexacorde contendo todas as notas da escala hexatônica aumentada. Esta escala – e este processo em geral – é interessante, pois contém diversas instâncias dos tricordes 014 e 034, do mesmo modo que a escala diatônica contém 037 e 047, por exemplo.

Este procedimento escalar não funciona com 015, que acaba gerando um icositetracorde ou uma escala de 24 notas sem repetição de oitava. Entretanto também é possível criar uma escala cromática combinando diferentes transposições de 015 e 045, como no exemplo abaixo.


Tricordes de tons inteiros
Os acordes de tons inteiros são subconjuntos da escala de tons inteiros e podem ser gerados pelas combinações de ci2 e ci4 (mas também poderiam ser gerados por quaisquer pares de intervalos da escala de tons inteiros). Tecnicamente 024 e 048 são tricordes de tons inteiros, mas não são acordes mistos e já geramos eles como sobreposições de segundas e terças respectivamente.
Há dois tipos de acordes de tons inteiros: 026 e sua inversão 046. Apesar do trítono, estes acordes soam bastante suaves.

Novamente, eles podem ser tocados em três rotações e em posições abertas, que tendem a soar mais brandas.


É possível continuar adicionando ci2 e ci4 intercaladamente para produzir duas pequenas escalas ou tetracordes que são idênticos ao tetracorde de sétima dominante com quinta diminuta e, juntos, formam a escala de tons inteiros.

As transposições de 026 e 046 podem ser combinadas para gerar uma escala cromática.
Pentatônicos
Os tricordes pentatônicos são subconjuntos da escala pentatônica e são gerados pela combinação dos dois intervalos de graus conjuntos da escala cromática: ci2 e ci3.



Intercalando ci2 e ci3 é possível produzir um icositetracorde ou uma escala de 24 notas sem repetição de oitava que contém diversas instâncias internas da escala pentatônica e da escala diatônica.

Assim como os outros tricordes – à exceção de 036 – é possível gerar uma escala cromática combinando transposições de 025 e 035.

Com isso, encerramos nossa discussão sobre a produção de todos os conjuntos de três classes de notas possíveis no sistema de doze sons. Evidentemente é possível gerar acordes ainda maiores e há mais dezenas de acordes de quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez e onze notas que poderiam ser discutidos, mas isso seria exaustivo e de pouca utilidade neste contexto. Cabe ao leitor explorar outras possibilidades e usos destas estruturas. Uma sugestão é construir acordes combinando dois tricordes sem notas em comum para gerar policordes de seis notas – que espero descrever e catalogar, junto com uma discussão sobre compressão modal genérica em um texto futuro.
Teoria de Conjuntos
Agora que temos todos conjuntos de três notas, é hora de introduzir a teoria de conjuntos e, com ela, algumas formas de nomear cada um deles e suas relações. Dito de outro modo: agora é hora de começar a dar nomes específicos a cada um dos bois.
Até agora, descrevi as estruturas que estamos discutindo de maneira ambígua: como acordes, estruturas de classes de notas, conjuntos, etc. Nesta seção vou me referir a elas como conjuntos de classes de notas, definidos como uma coleção não ordenada de classes de notas. Ou, como diz Straus: “motive from which many of the identifying characteristics—register, rhythm, order—have been boiled away.” (XXXX, p. 43). Dizemos que são uma coleção não ordenada, porque a ordem que atribuímos a ela para descrição e análise é indiferente em relação à música que estamos analisando ou compondo. O conjunto 047, por exemplo, pode aparecer como um acorde de dó maior em qualquer rotação – C, C/E, C/G – com notas duplicadas, arpejado ou tocado simultaneamente, em qualquer registro ou ritmo. Interessa-nos somente o conteúdo de classe de notas: 047.
Forma normal
Geralmente, notamos os conjuntos em sua “forma normal” que é a forma mais compacta de apresentá-lo. Por “compacta” quero dizer: a forma, sem notas repetidas, e ordenada para obter o menor intervalo entre a primeira e a última nota, depois entre a primeira e a penúltima e assim sucessivamente. Neste caso o intervalo é sempre calculado ascendentemente, como se estivesse subindo uma escala ou, pensando novamente no relógio, em sentido horário. Considere os três ordenamento seguintes: 25A, A25 e 5A2. O primeiro (25A) possui um intervalo de 8 semitons entre a primeira e a última; o segundo (A25) possui um intervalo de 7 semitons; o terceiro (5A2), de 9 semitons. Logo a forma normal deste conjunto é A25.
Transposição
O conjunto A25 possui as mesmas classes de notas do acorde de Bb maior e o conjunto 047 possui as mesmas classes de notas de C maior. Não é coincidência ambos serem acordes maiores: eles possuem a mesma estrutura intervalar – isso é: uma terça maior (ci4) seguida de uma terça menor (ci3). Esses conjuntos são relacionados por transposição: A25 é 047 transposto 10 semitons acima ou dois abaixo:
0 + 10 = 10 (A)
4 + 10 = 14 -> 14 mod 12 = 2
7 + 10 = 17 -> 17 mod 12 = 5
Observe que, quando o número ultrapassa 11, precisamos reduzi-lo ao nosso espaço de notas, que vai de 0 a 11, realizando a operação de módulo 12. Outra opção, mais simples, é caso a transposição superar 11, utilizar o outro intervalo da classe de notas e subtraí-lo da nota original:
0 + 10 = 10 (A)
4 – 2 = 2
7 – 2 = 5
Todos os conjuntos relacionados por transposição pertencem a mesma família de conjuntos e geralmente nos referimos a eles pela versão mais compacta começando em 0. No caso dos conjuntos que estamos discutindo, todas as transposições do acorde maior, essa versão seria 047.
Inversão
Ao longo do texto, me referi a uma outra relação de parentesco entre os conjuntos: a inversão. Inversão aqui refere-se a inversão da estrutura intervalar do conjunto, de modo que inverter 047 (ci4 e ci3 ascendentes) vira 085 (ci4 e ci3 descendentes)
0 – 4 = -4 ou 0 + 8 = 8
8 – 3 = 5
Já que -4 excede nosso espaço de notas, invertemos o sinal e trocamos para o outro intervalo de classe de notas: +8. A forma normal de 085 é 580 e ambos contém as mesmas notas de um acorde de Fá menor. Entre todas as transposições de 580, 037 é a forma mais compacta começando em 0 e esta seria a forma padrão deste conjunto.
Forma prima
Como possuem a mesma estrutura intervalar, 047 e 037 pertencem a mesma família de conjuntos, mas é preciso decidir a forma padrão da família inteira: a forma prima. Para gerar a forma prima, buscamos a versão mais compacta de todas as transposições das duas inversões da estrutura intervalar, que, no caso dos conjuntos que estamos discutindo, é 037. Agora temos uma forma padrão para todas as tríades maiores e menores e uma relação entre elas e podemos dar só um nome a elas e referir-nos a todas as instâncias da família em relação a este nome. A este tipo de família chamamos Classe de Conjuntos. Na teoria pós-tonal, por razões que explicarei em breve, este nome é 3-11. O acorde de Sol maior (7B2), por exemplo, pode ser descrito como 3-11 I7, ou seja: 3-11 em sua forma invertida 047 (não prima), 047, e transposta 7 semitons ascendentemente.
Nomenclatura
Todos os conjuntos de classes de notas podem receber um nome semelhante e participam de uma classe de conjunto. Este nome tem duas partes: cardinalidade e ordinalidade. A cardinalidade é um número que indica o número de classes de notas contidos no conjunto (3 no nosso caso). Um conjunto com sete classes de notas diferentes começaria com 7. A segunda parte do nome diz respeito à posição do conjunto dentro de uma lista de todos os conjuntos da mesma cardinalidade. A ordem dos conjuntos nesta lista é determinada de uma maneira semelhante à determinação das formas normais e primas: os conjuntos mais compactos vêm primeiro.
Saber construir a lista – exceto na tentativa de recriá-la em um mundo pós-apocalíptico – é irrelevante e ela pode ser encontrada em vários lugares online e em livros. A wikipédia tem uma lista completa que ainda conecta os conjuntos com acordes e escalas com nomes mais tradicionais. Na lista da wikipédia, entretanto, há uma diferença na notação: os conjuntos aparecem seguidos de A e B quando possuem inversão, sendo A a prima e B a inversa.
Há outras informações importantes na lista da wikipédia, como os complementos cromáticos de cada classe de conjunto – que são o resultado de subtrair o conjunto da escala cromática e recebem a mesma ordenação; o vetor classe intervalar – que é uma descrição do conteúdo intervalar do conjunto; e as relações Z – que são relações entre dois conjuntos da mesma cardinalidade que possuem estruturas intervalares diferentes mas o mesmo conteúdo intervalar. Não vou me aprofundar em nenhum desses tópicos, mas se houver interesse, escrevo algo sobre posteriormente. (As relações Z são particularmente interessantes e o uso dos conjuntos 4-Z15 e 4-Z29 pelo Elliot Carter são um exemplo que vale ser debatido).
Os tricordes como conjuntos de classe
Agora que temos uma nomenclatura para todos os conjuntos, podemos retomar nossos tricordes e redescrevê-los a partir da teoria de conjuntos.
Os acordes que geramos pela sobreposição de terças já estão em sua forma normal: 036 é a forma prima de 3-10 e 048 é a forma prima de 3-12. O par 037 e 047 são ambos parte da classe 3-11, sendo que a forma prima é 037.
(036) 3-10
(037) 3-11
(047) 3-11 I
(048) 3-12
Os acordes gerados por segundas também estão em sua forma normal: 012 é a forma prima de 3-1 e 024 é a forma prima de 3-6. O par 013 e 023 são respectivamente a forma prima e invertida de 3-2.
(012) 3-1
(013) 3-2
(023) 3-2 I
(024) 3-6
Os acordes gerados por quarta não estão em sua forma prima. O tricorde quartal (05A) é uma transposição de 3-9 que tem como forma prima 027. A forma prima de 05B é 016 e a forma prima de 06B é 056, sendo que a primeira é a forma prima da classe de conjunto: 3-5.
(016) 3-6
(056) 3-6 I
(027) 3-9
Os acordes mistos já estão em sua forma normal.
(014) 3-3
(034) 3-3 I
(015) 3-4
(045) 3-4 I
(026) 3-8
(046) 3-8 I
(025) 3-7
(035) 3-7 I
Essa linguagem é útil para descrever e analisar música pós-tonal, tanto no aspecto melódico como harmônico – essa música não é feita de puro caos, mas de estruturas com propriedades específicas, motivos mais ou menos abstratos que informam a linguagem – os materiais e as operações que se executam sobre eles. Ela também pode ser útil para compor: escolha uma ou duas classes de notas e tente escrever algo: uma sequência, uma melodia. Tente aninhar ou encaixar uma na outra.
Outra utilidade interessante da teoria de conjuntos é criar uma forma de descrever a distância entre dois conjuntos quaisquer. No caso dos tricordes, esse incrivel diagrama de Miles Okazaki (em Fundamentals of Guitar) mostra os conjuntos em forma normal separados por semitom. Os conjuntos não inversíveis estão no meio do eixo vertical e as formas prima e invertida de cada classe estão espelhadas (observe 016 na extrema esquerda e 056 na extrema direita). Os conjuntos ligados por uma linha tracejada diferem somente um semitom um do outro.
A distância entre dois conjuntos específicos pode ser medida pela distância a ser percorrida entre os conjuntos no gráfico mais a transposição necessária. Nesta versão mais abstrata de Joseph Straus, as classes de conjunto em forma prima estão ligadas do mesmo modo.
Ainda que esta linguagem seja útil, creio que, para a música popular é preciso uma linguagem mais específica e mais conectada à tradição. Penso especificamente em uma forma de cifragem. Quem, afinal, colocaria “3-8 T0 5-Z12 I8 4-25 T5” em cima de uma letra e esperaria lembrar rapidamente o que isso quer dizer. É o que nos leva, finalmente, à última seção – e ao objetivo – deste texto.
Cifragem
Ok. Você achou explorou seu instrumento ou num DAW, você achou uma sonoridade peculiar, você se dispôs a ler até aqui, entendeu a construção dessa sonoridade, a classe de conjunto, o vetor classe intervalar, o espaço tonal e a distância daquela sonoridade para todas as outas e você montou a sequência de acordes perfeita para aquele som acústico, voz e violão, baseado numa mistura de Legião Urbana e Alexander Scriabin. Como você descreve essa progressão de modo que seja minimamente compreensível para botar numa cifra ou num leadsheet e compartilhar com o resto da banda? É aí que entra o sistema incrível de cifragens proposto por Julio Herrlein em Combinatorial Harmony: Concepts and Techniques for Composing and Improvising. O livro de Herrlein é extenso e explora várias cardinalidades, escalas, ciclos intervalares e eixos tonais. Não vou descrevê-lo inteiro, mas focar na cifragem dos tricordes. Recomendo a leitura!
A cifragem de Herrlein é baseada – como a nossa produção dos tricordes – em uma tipologia dos acordes pela sua construção. É importante notar que Herrlein assume uma nota como tônica para a descrição de cada acorde e esta nota raramente é a primeira nota das formas prima ou normal dos conjuntos ou a nota a partir da qual construímos o tricorde por intervalos.
O Tipo A contém as tríades tradicionais, cifras da forma usual. O Tipo B contém os acordes formados por quartas e são cifrados pela qualidade e ordem das quartas. CQ3 descreve o tricorde de quartas justas (027); CQT descreve o tricorde formado por uma quarta justa seguida de um trítono (016) e CTQ descreve o tricorde formado por um trítono seguido de uma quarta justa (056).
O Tipo C contém os acordes com sétima sem a quinta e são notados: ou removendo notas de uma tétrade – por exemplo 3-4A (015) notado como C#7M(¬5) (Dó sustenido maior com sétima maior sem a quinta); ou notados com intervalos sobre uma nota – por exemplo 3-7A (025) notado como D^m7 (Ré com terça e sétima menores adicionadas); ou com uma descrição qualitativa – por exemplo 3-8 (026) notado como Dit (ré com sexta italiana) – mas que poderia ser notado como D7(¬5).
O tipo D contém os acordes de sétima sem a terça e são notados como notas adicionadas a um som. O tricorde 3-3B (034) é notado como E^7M(#5), ou seja, Mi com sétima maior e quinta aumentadas adicionadas. O tipo E são os clusters e contém todos os acordes construídos por segundas. Eles são notados também com notas adicionadas sobre um tom: 3-2A (013), por exemplo, é notado como Db^7M(9), ou seja, Ré bemol com sétima maior e nona adicionadas.
Abaixo compilei uma tabela com cada um dos tricordes, seu tipo, a cifra, o voicing (isso é, como as notas estão dispostas, ascendentemente, na versão fechada, a partir da nota que Herrlein define como fundamental do acorde) e, por fim, o intervalo usado para produzir o tricorde – como discutido neste texto.
Conteúdo | CC | Tipo | Cifra | Voicing | Intervalo de Produção |
012 | 3-1 | E | Db^7M(b9) | 102 | Segundas |
013 | 3-2A | E | Db^7M(9) | 103 | Segundas |
023 | 3-2B | E | D^7(b9) | 203 | Segundas |
014 | 3-3A | C | C#^m7M | 140 | Mistos (semitom) |
034 | 3-3B | D | E^7M(#5) | 403 | Mistos (semitom) |
015 | 3-4A | C | Db7M(¬5) | 150 | Mistos (semitom) |
045 | 3-4B | D | F^7M(5) | 504 | Mistos (semitom) |
016 | 3-5A | B | DbQT | 160 | Quartas |
056 | 3-5B | B | F#TQ | 605 | Quartas |
024 | 3-6 | E | D^7(9) | 204 | Segundas |
025 | 3-7A | C | D^m7 | 250 | Mistos (pentatônicos) |
035 | 3-7B | D | F^7(5) | 503 | Mistos (pentatônicos) |
026 | 3-8A | C | Dit ou D7(¬5) | 260 | Mistos (tons inteiros) |
046 | 3-8B | D | F#^7(b5) | 604 | Mistos (tons inteiros) |
027 | 3-9 | B | DQ3 | 270 | Quartas |
036 | 3-10 | A | Cdim | 036 | Terças |
037 | 3-11A | A | Cm | 037 | Terças |
047 | 3-11B | A | C | 047 | Terças |
048 | 3-12 | A | Caug ou C(#5) | 048 | Terças |
No livro, Herrlein descreve várias formas de tocar esses acordes na guitarra, mas, novamente, não tenho intenção de transcrever o livro dele aqui. Acesse o dicionário de tricordes que disponibilizei em um post acompanhando este para explorar alguns voicings.
Spoilers
Em postagens futuras, vou comentar outros usos tonais destes conjuntos, como o proposto por Dariusz Terefenko interpretando-os como estruturas superiores de acordes extendidos ou o sistema de compressão modal genérica de Mick Goodrick. Também outras formas de nomear acordes e escalas como o sistema de de Masaya Yamaguchi. Mas quero dar uma palhinha.
Sobre a interpretação de Terefenko, é fácil ver, como, por exemplo, o tricorde 027 pode ser usado como parte de vários acordes diatônicos. Por exemplo GQ3/D (isso é 705 tocado sobre 2 no baixo) soa como um Dm7(11). GQ3/Ab e CQ3/Ab soam como Abmaj7(13) e Ab(9) respectivamente.
A compressão modal genérica de Mick Goodrick diz respeito a pegar um acordescala, por exemplo Cmaj7(9,11,13), remover a tônica que resultaria num conjunto hexatônico (24579B) e organizá-lo como dois tricordes complementares dentro da escala. No nosso exemplo, poderiamos organizar a compressão modal genérica de dó maior como Dm (259) e Em (47B). Obviamente, tricordes mais ousados soariam mais interessantes.
O sistema de nomeação de Yamaguchi usa a mesma notação da teoria de conjuntos, mas atribui M para a inversão e descreve qual rotação do conjunto se trata numerando-as com a,b,c, etc, sendo que a é a primeira inversão (a forma normal). Além disso atribui os intervalos baseados na escala maior. O conjunto que chamamos de F^7(5), por exemplo, seria um 3-7Mc, a terceira rotação de 3-7 invertido e seria descrito como 1 5 b7 – que poderíamos reescrever como F 5 b7.
Referências
Arnold, Bruce. My music: explorations in the application of 12 tone techniques to jazz composition and improvisation. Muse Eek, 2003.
Cope, David. Techniques of the contemporary composer. Schirmer Thomson Learning.
Goodrick, Mick, and Tim Miller. Creative chordal harmony for guitar: using generic modality compression. Berklee Press, 2012.
Herrlein, Julio. Combinatorial harmony: concepts and techniques for composing and improvising. Mel Bay Publications, 2013.
Kostka, Stefan, and Matthew Santa. Materials and techniques of post-tonal music. Routledge, 2018.
O’Gallagher, John. Twelve-tone improvisation: a method for using tone rows in jazz. Advance music, 2021.
Okazaki, Miles. Fundamentals of Guitar: A Workbook for Beginning, Intermediate or Advanced Students. Mel Bay Publications, 2015.
Persichetti, Vincent. Twentieth Century Harmony: Creative Aspects and Practice. W. W. Norton & Company, 1961.
Roig-Francolí, Miguel A. Understanding post-tonal music. Routledge, 2021.
Straus, Joseph N. Introduction to post-tonal theory. WW Norton & Company, 2016.
Terefenko, Dariusz. Jazz theory: From basic to advanced study. Routledge, 2014.
Yamaguchi, Masaya. The Complete Thesaurus of Musical Scales. Masaya Music, 2006.